Coluna do Tiago

Preconceito de Bolsonaro ao CPX do Alemão tem a mesma causa do preconceito de parte da ‘elite’ livramentense ao Taquari e Benito Gama

Nem mesmo o preconceito de bairro fica sem ter o espaço ocupado. Agora, do Taquari, o alvo preferencial da elite rastaquera livramentense passou a ser o Benito Gama, bairro periférico que também vive um processo de ascensão social

Por Tiago Rego* | Jornalista

Houve um tempo em Livramento, que a cidade era dividida em duas: antes e depois da ponte. Na década de 90, época em que vivi parte considerável da minha infância e início da minha adolescência, o preconceito era escancarado em relação ao bairro Taquari, quando parte de uma pseudo elite econômica local denominava o Taquari de favela, Paraguai ou até mesmo PCC [Primeiro Comando da Capital]. Enfim, os estigmas eram vários, e este preconceito de classe era refletido nos arranjos sociais de Livramento. Um exemplo disso, era que na Escola Polivalente, hoje João Vilas Boas, o critério de alocação das turmas era por renda e classe social. Alunos filhos dos grandes comerciantes, bancários, e de famílias com heranças estudavam nas turmas A das séries, enquanto estudantes de renda intermediária, mas moradores do Centro, estudavam na turma B, ou seja, quanto menos renda e mais periférico, mais ia-se avançando no alfabeto. No meu caso, eu estudava à tarde, e havia quatro turmas — E, F, G e H — e não é difícil de adivinhar que eu, enquanto morador do bairro Taquari, de baixa renda, era da turma H, onde os alunos eram de bairros carentes do município, zona rural ou ainda em atraso escolar, todavia, a turma H era composta majoritariamente por alunos do Taquari. E, por conta desta composição bairrista, me lembro de chegar na sala, por diversas vezes, me deparar com escritos no quadro: “sala dos favelados do Taquari”, “a favela é aqui”, “vão embora favelados”, entre atrocidades do tipo. Enfim, a divisão social em Livramento era muito clara. Nas festas, por exemplo, havia um espaço quase reservado aos mais abastados, que ficava na borda inferior direita da Praça Dom Hélio Pascoal, antiga Praça da Bandeira, para quem se orienta no sentido do extinto Casarão Alcântara, enquanto os mais populares se juntavam na parte superior. E era impressionante como todos cumpriam o acordo de fronteira social, sem que nenhum invadisse a demarcação das alas censitárias. Porém, o tempo passou, e com ele mudanças políticas, a começar pelo Plano Real, que conferiu ao trabalhador poder de compra e estabilizou a inflação galopante. Logo depois, o Brasil iria eleger Luiz Inácio Lula da Silva, que manteve os índices inflacionários da gestação anterior, mas aumentou a oferta de crédito e amplificou os programas sociais, quando foi criado o Bolsa Família. Com crédito facilitado, salário valorizado e inflação controlada, uma nova classe de consumidores surgiu no país, e no Taquari, as pessoas que antes eram pobres, passaram a consumir itens da classe média, como casas maiores, carros e roupas de marca, entre outros, o que contribuiu para silenciar o preconceito, mas este ainda resiste silenciosamente, ainda que em grau menor. No entanto, nem mesmo o preconceito de bairro fica sem ter o espaço ocupado. Agora, do Taquari, o alvo preferencial da elite rastaquera livramentense passou a ser o Benito Gama, bairro periférico que também vive um processo de ascensão social. Em relação ao BG, como é conhecido popularmente, as pechas são as mesmas do Taquari antigamente — favelados, ladrões, bandidos, antro de droga e prostituição, entre outras — analogia semelhante feita pelo presidente Jair Bolsonaro que comparou os moradores do Complexo do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro, com bandidos e ladrões, pois o preconceito social, hoje conhecido como aporofobia, que se caracteriza pelo ódio à pessoas pobres, tem mesma origem, e independe de localização geográfica. E, no caso de Livramento, não é necessário qualquer tipo de pesquisa social para constatar que os mesmos que consideram o Taquari e o Benito Gama como bairros de pobres, favelados, pretos, putas, ladrões, drogados e bandidos, são os mesmos que votam, hoje, em Bolsonaro.

*Tiago Rego é jornalista formado pela Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia, especialista em democracia digital, marketing político em redes sociais e redes de afeto político e analista de marketing político em formação. 

 

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