Livramento

“Os que me procuram fazem por aquilo que eu tenho, não preciso de mudança de sexo”, revela Adriana Bombom em entrevista exclusiva ao SN

"Para você ser uma mulher trans, você precisa ser muito guerreira, ter muita coragem, além de ser uma luta por sobrevivência diária"

Quem mora em Livramento de Nossa Senhora, certamente, deve conhecer Adriana Bombom, popular de Adriana Graciane Xavier da Silva Conceição, seja por sua irreverência ou por sua imponência em seus mais de 1,80 metro de altura. Adriana nasceu no estado de São Paulo, mas está na Bahia há 17 anos, quando veio para morar com seus avós. E neste final de semana, o site Sudoeste em Pauta – Notícias (SN) entrou em contato com Bombom, que nos concedeu uma entrevista exclusiva, em que contou sobre sua infância, sobre o empoderamento que tem sobre seu corpo e de como é ser uma mulher trans numa cidade amplamente atrasada em termos de comportamento e costumes, como Livramento. Em suas respostas, mesmo sendo provocada, Adriana foi comedida e evitou tocar em temas mais sensíveis, mas não se esquivou de nenhuma pergunta. Atualmente com 28 anos, Adriana diz que não costuma pensar muito no futuro e que a atividade de acompanhante é sua principal fonte de renda. Confira a entrevista em texto que é assinado pelo jornalista e editor do SN, Tiago Rego.

SN – Como foi a sua infância? Foi tranquila? Como se deu a relação com sua família? Por quem você foi criada?

Adriana – Minha infância apesar de ter sido tranquila, eu sempre fui afastada da minha família, e fui criada por avós. Na verdade, eles nunca me aceitaram ser gay na época, pois eu já comecei sendo gay desde os meus 8 anos de idade. Eu fui criada com meus avós porque me consideraram órfã, o que me deu direito a uma pensão até minha maioridade.

SN – Você já teve algum conflito em relação ao seu corpo?

Adriana – O único conflito que tive com meu corpo foi o fato de não ter aceitado a minha magreza. Eu não aceitava a minha magreza, mas não sabia qual o caminho para mudar essa forma física. Foi quando eu comecei a treinar. Treinei, pratiquei muita musculação. Hoje eu tenho 8 anos de treino e me sinto uma mulher muito realizada, não tenho cirurgia no meu corpo, a não ser implante de prótese mamária, que fiz há dois anos. Por conta do meu trabalho, reconheço que tenho que ter um corpo chamativo, por isso faço muita musculação.

SN – Você já sofreu algum tipo de discriminação? Se sim, se sente confortável em falar? Qual foi o tipo de discriminação e como você reagiu ao foto?

Adriana – Mesmo Livramento sendo uma sociedade muito conservadora, acredito que avançamos muito. Apesar de haver preconceito, eu sinto que diminuiu bastante. No entanto, eu só posso responder por mim. Preconceito eu não sei se sinto, mas percebo que existe muito olhar de reprovação. Mas eu não tenho medo desse tipo de olhar, não tenho medo das críticas, pois sou mulher independente. O que me deixa feliz é que temos mais de sete mulheres trans em Livramento atualmente. No entanto, me considero um destaque municipal, pois já me candidatei como vereadora.

SN – Livramento é uma sociedade extremamente conservadora, tal como já foi pontuado. No entanto, pelo que eu apurei, muitos homens te procuram, desde homens solteiros e até mesmo os casados. Você se sente confortável pra falar sobre isso? Qual o motivo que eles alegam para se relacionar com você?

Adriana – De fato, minha vida sexual é muito intensa. Sou bastante procurada mesmo. Eu creio que, atualmente, as mulheres trans, em geral, são bastante procuradas. Basta dizer que o Brasil é o país que mais consome conteúdo erótico evolvendo mulheres trans, e como eu trabalho muito com minha imagem, eles me procuram, sim. Agora, eu acredito que me procuram pelo fato de eu ser uma pessoa bastante ética, tanto em minhas relações profissionais, como em minha vida íntima.

SN – Você se inspira em alguém?

Adriana – Eu sou minha própria inspiração. Devido a tudo que já passei na vida. Comecei a lutar cedo pelo meu espaço. Comecei a opinar cedo sobre tudo que eu penso. E hoje sou minha própria inspiração, sou muito realizada pela mulher que me tornei.

SN – Como anda o coração da Bombom? Você está se relacionando com alguém atualmente?

Adriana – Olha, eu já fui casada durante 5 anos (risos) com um homem hétero. Inicialmente, ele pensou que eu fosse mulher cis (que nasceu com órgão genital feminino). E acabou dando certo, nos conhecemos, ele veio morar comigo e ficamos. Porém, o nosso relacionamento desgastou demais, apesar de dois anos maravilhosos. Confesso que houve muitas traições pela minha parte, então chegou um ponto que eu não queria mais e tal, portanto, eu via que aquela relação não estava certa. É claro que eu já me apaixonei, mas hoje para eu me apaixonar é muito difícil, quase que impossível.

SN – Você pretende fazer cirurgia para mudança de sexo?

Adriana – Para me sentir mulher, eu não preciso de mudança de sexo. Os que me procuram fazem por aquilo que tenho, a fantasia é exatamente essa. Em minhas relações sexuais, eu não tenho vergonha de dizer, já fui ativa, aquela que faz o ato de penetrar, mas pretendo e gosto de ser passiva, aquela que é penetrada. E outra, uma mudança de sexo mexe demais com a mente, a pessoa precisa estar bastante preparada, mas o fato é que eu não preciso de mudança de sexo para me sentir mulher.

SN – Você é uma pessoa com grande consciência social e sempre está denunciando os problemas do seu bairro. Na sua opinião, o Benito Gama é discriminado?

Adriana – Sobre a questão do meu bairro, considero sim, discriminado, tanto pelo poder público, e até mesmo pelos moradores do próprio bairro, por não darem o devido valor ao lugar que moram. Aqui no Benito Gama não são valorizados os talentos que temos, cantores, tecladistas e demais artistas. Os bares não são valorizados, a partir do momento que os moradores preferem consumir em locais do Centro. Mas somos discriminados, acima de tudo, pelas representatividades do poder público. Isso é fato.

SN – Tem alguma coisa que você já fez e se arrependeu amargamente por isso?

Adriana – Não costumo me arrepender de nada que eu fiz. Eu até poderia estar arrependida por causa do meu casamento, mas eu nunca me privei de nada por conta disso. Eu me assumi gay ainda criança e hoje sou uma mulher trans. Por isso, eu não me arrependo de nada.

SN – O Brasil vive uma onda conservadora muito grande, e aumentou nos últimos anos o número de mulheres trans mortas no país. Como é que você enxerga tudo isso?

Adriana – Sou acostumada a viajar por algumas cidades, como Ribeirão Preto, por isso posso dizer em relação a este fato, que não é fácil ser uma mulher trans. Para você ser uma mulher trans, você precisa ser muito guerreira, além de ser uma luta por sobrevivência diária, eu me tiro por mim, que não tenho nenhuma outra fonte de renda a não ser o meu trabalho como acompanhante. Então, tudo o que conquisto é fruto de minha luta, e é como se fosse um Oscar pra mim.

SN – Como o que você se vê no futuro. Quais seus sonhos?

Adriana – O meu pensar é como eu sempre digo pra todos que estão perto de mim, eu não penso no futuro. Eu vivo o meu momento, sem pressa e deixo tudo acontecer, pois o futuro só a Deus pertence. Olha, sou uma mulher bastante pés no chão em relação a sonhos, mas vejo que aqui em Livramento não existe espaço para mulheres trans, essa é a verdade. Eu não me encaixo em qualquer profissão. Mas gosto de fazer o que faço, pois tenho certeza que meus atendimentos são maravilhosos, pois faço por amor.

SN – Qual a mensagem que você deixa para as pessoas que ainda têm preconceito contra as mulheres trans.

Adriana – Que se amem mais, e lembrem- se que para ser uma mulher trans tem que ter muita coragem. Coragem de enfrentar o mundo, pois infelizmente ainda existe muito preconceito. Ainda existem aquelas que apanham pelo simples fato de ser uma mulher trans. Vamos se amar mais, vamos cada um cuidar mais da sua vida, a pandemia esteve aí para nos ensinar que temos que ter mais amor ao próximo.

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