Coluna do Tiago

O adeus a tio Bastos

Por Tiago Rego

  • Me lembro da primeira vez que vi tio Bastos. Permita-me te chamar de tio, dado ao seu acolhimento para comigo e para os demais que tinham amizade com seus filhos e com sua esposa, tia Detinha. Me lembro que você foi comedido no primeiro contato, e fez perguntas triviais, como o curso que eu estava estudando, de quem eu era parente em Livramento, enfim. De imediato pensei: que cara gente boa. Tempo depois da nossa apresentação, foi seu aniversário, e me disseram que você disse — ué, Lucas, como é que você vem e não traz seu assessor?— Logo que recebi a ligação, me lembro que tomei um ônibus pra Graça e, assim que eu cheguei em seu apartamento, você me anunciou a todos na sala: “Badu chegou. Quer beber o que Badu? Tem uma cerveja bem gelada no isopor lá fora e os meninos também estão assando carne.” Pronto, daquele dia ali, apesar de nunca ter verbalizado, dado o meu conservadorismo social, mas em meu íntimo, você passou a ser tio Bastos. A partir de então, nossas conversas passaram a ser mais soltas. Eu relatava sobre minha rotina acadêmica e você me dizia como era no seu tempo, dos professores que eram carrascos, das meninas bonitas e charmosas do curso de arquitetura da UFBA, e de como você conheceu tia Detinha no curso de biologia. Nesses mais de 16 anos de amizade, o que mais vou lembrar de você é que seu humor pouco resiliente contrastava em intensidade dobrada com sua capacidade de ser anfitrião, e que às vezes eu fazia questão de provocar, só para rir depois de sua reação, de como o senhor ‘pegava ar’ fácil. Poxa, tio Bastos, como eu vou esquecer do seu vatapá homérico e de sua dobradinha divina? Do seu amor pelo Bahia e da sua torcida exageradamente entusiasmada pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo? Enfim, a saudade de você vai residir nas banalidades do cotidiano, que o senhor tinha o dom que raras pessoas nascem de transformar em situações sublimes. Todavia, não era somente a capacidade de acolher que te fazia um ser humano ímpar. O seu zelo para com todos a sua volta era uma das suas principais virtudes. Me recordo de certa feita que eu havia dito que estava desempregado, e o senhor prontamente me pediu que eu enviasse o currículo, que você tentaria algo com um conhecido seu. E era nestes pequenos cuidados, na sua empatia de reconhecer os anseios dos outros, no seu empenho em apoiar, mesmo não concordando com a posição individual, mas você me incentivava — vai lá, você é inteligente, você consegue. Se você não conseguir, você passa em um concurso — Dessa forma, o que muitos entendiam como uma cobrança, eu entendia como uma preocupação com o bem-estar do outro. Enfim, meu amigo, sua partida teve sua cara; sem aviso prévio, num rompante e sem qualquer cerimônia, apenas foi… Que nosso bom Deus te receba aí, e que algum desses querubins fanfarrões te recepcione com um bolo de chocolate preto. Já estou vendo você dizer: — não sei se Deus te avisou, mas ele sabe que eu só gosto de chocolate branco. —

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