Persona livramentense

Engajada politicamente, com consciência do seu papel de mulher, a estudante livramentense Júlia Miranda afirma que sua geração sofre excesso de cobranças

"A gente tem que se encaixar em um molde, do jeito que as pessoas querem. Somos muito cobrados para ter sucesso profissional e independência financeira"

Por Tiago Rego | Jornalista

  • A Geração Z nasceu juntamente com o fenômeno de consolidação da internet, não à toa, é também conhecida como ‘nativos digitais’, ou seja, eles não vivenciaram a fase analógica do mundo, o que limitava a circulação de informações. E uma das principais características dos nativos digitais é exatamente a hiperconectividade, o que os possibilita viver várias experiências ao mesmo tempo. Dentro deste contexto, o Sudoeste em Pauta – Notícias (SN) bateu um papo muito agradável com a estudante livramentense, Júlia Miranda, de 20 anos, que escolheu a medicina como futura profissão. A jovem divide sua rotina entre os estudos para o Enem, em um trabalho que atua como professora particular para alunos do nível fundamental, balé, séries, livros, além de ser membro da ONG APA de Livramento (Associação Protetora dos Animais) e, por ser católica, vai à missa todos os domingos pela manhã. Na entrevista, Júlia disse que tem ciência do papel da juventude em tempos de ameaça autoritária que paira no Brasil e, por isso, pretende se posicionar nas eleições deste ano, ressaltou a importância da consciência ambiental, opinou sobre casamento, falou de machismo, e disse ainda que sua geração, mais do que qualquer outra, sofre demasiadamente de ansiedade por conta do excesso de cobranças. Confira a entrevista.SN – Você consegue identificar quais são os principais dramas de sua geração?Júlia – A minha geração sofre muito de ansiedade. Por conta de seguir um estereótipo que a sociedade impõe, principalmente em relação aos estudos, sabe? Todo mundo fica pressionado os estudantes de quando sair do ensino médio já tem que entrar na faculdade, independente de qual área. Portanto, o principal drama é a cobrança, não só dos pais, sabe?! Da população em geral. As pessoas te veem e perguntam: ainda está fazendo cursinho? Porque não desiste disso e vai fazer outra coisa? A gente tem que se encaixar em um molde, do jeito que as pessoas querem. Somos muito cobrados para ter sucesso profissional e independência financeira.SN – E por falar em independência financeira, como você enxerga a situação econômica no país?Júlia – O problema é que hoje você tem um índice de inflação muito alto, mas o salário continua o mesmo valor. Sem contar nos preços absurdos dos alimentos; antigamente, como R$ 200 você comprava tudo, mas hoje, você não compra nem a metade das coisas. O valor do gás está muito elevado. Eu acho que isso acontece no país por conta que o governo atual não se importa com a população pobre, de baixa renda, porque os eleitores deles são a maioria de classe média ou média alta, então, eles não se importam com a base da pirâmide social. Os pobres estão ficando cada vez mais pobres e os ricos ainda mais ricos.SN – Você se considera uma pessoa politizada? Quais as pautas mais urgentes em sua opinião?Júlia – Sim, me considero muito politizada. E no país, eu levanto muito a bandeira da educação. A educação no Brasil está precária. Para você entrar na faculdade hoje em dia está muito difícil, porque houve muitos cortes de verbas. Saúde também é outro problema. O pessoal para ser atendido tem que passar horas em um corredor de hospital. Eu acredito que tenha até muito médico pra isso, mas é falta de estrutura do governo. Em relação à minha cidade, Livramento, já podia está trazendo um curso, a exemplo do antigo Ceteb, pois aqui muitos estudantes não querem fazer faculdade, mas podiam fazer um curso técnico de agropecuária, pois tem muito ramo na área de plantação de manga e maracujá. A parte cultural também se perdeu aqui. Não tem mais o Projovem, com as apresentações com os estudantes, os jovens ficam aí… Largados nas praças. E além disso, as praças estão abandonadas, sem qualquer tipo de cuidado.SN – Recentemente, você se posicionou a favor de Anitta em relação às críticas feitas pelo cantor Zé Neto. Qual foi a reação das pessoas?Júlia – Olha, eu discuti com meu tio. Ele é ‘bolsominion’, sabe (risos)? Só que o evento que eles estavam fazendo (Zé Neto e Cristiano) foi financiado pela prefeitura do lugar, Anitta em nada tem a ver com a Lei Rouanet.

SN – Sobre a importância de uma mulher se posicionar em favor da outra. Neste contexto, você já tomou contato com a literatura feminista? Você se considera feminista?

Júlia – Me considero feminista, sim. Até acredito que no mundo de hoje melhorou muito em relação do que se via no passado. A mulher está mais inserida no mercado de trabalho, mesmo ainda tendo uma diferença salarial e, às vezes, as pessoas ficarem debochando da cara por causa da posição que uma mulher ocupa em um cargo. Mesmo assim, eu acho que melhorou muito, mas ainda tem muito para melhorar. Têm homens que não aceitam que uma mulher esteja em um cargo superior ao dele. No caso de Zé Neto mesmo, ele não tinha que está abrindo a boca para falar de Anitta no meio de um show. Porque Anitta fala do presidente, quem deveria rebater era o presidente. Ela é uma artista, ela tem uma opinião própria. Ele [Zé Neto] não tem que está lá insultando o que ela faz ou deixa de fazer com a vida privada dela. Mesmo que ela seja uma pessoa pública, ele não deve colocar as cartas como julgamento de tal situação. Mas eu ainda não tive contato com a literatura feminista.

SN – O que você acha de Luísa Sonza e Anitta?

Júlia – O que eu acho, o que mais incomoda, é o fato delas serem mulheres, delas serem independentes, de não se importarem com a opinião dos outros. Luísa sofreu muito com isso.

SN – Você pretende se posicionar nas eleições deste ano?

Júlia- Com certeza, já estou me posicionando. No dia mesmo, vou estar toda de vermelho indo para a votação (risos). Eu não tenho o que esconder, eu sou muito contra o governo atual. Por isso, eu sempre posto, estou sempre postando.

SN – Por que você é contra o governo atual?

Júlia – Foi como eu disse, eles não pensam na classe baixa, nas pessoas que são pobres. Eles defendem os ricos, eles não estão nem aí com a gente. Eles não estão nem aí com os estudantes, cortou muita coisa, quase a Universidade Federal do Rio de Janeiro foi fechada. Tem também a questão que o governo poderia interferir sobre a questão do desmatamento da Amazônia, em relação ao que o Brasil está consumindo agrotóxicos que em outros países estão proibidos. São mudanças agora que podem ter resultados daqui a 20 anos, mas temos que mudar. Além disso, eu me incomodo muito com as falas preconceituosas do presidente. Eles estão debochando da Pabllo Vittar por ser uma mulher trans. Como assim? Todos nós somos iguais. A cultura do país é muito preconceituosa e muito machista.

SN – Como está lidando com quem pensa diferente de você? Já perdeu algum amigo ou amiga por conta de suas opiniões?

Júlia – Eu respeito a opinião das pessoas a partir do momento que eles respeitam a minha. Eu prefiro não brigar mais. No entanto, eu discuto muito com mulheres, principalmente, mulheres de classe social baixa, sabe? Que defende o presidente atual, tento conscientizar, sabe? Pois não sou eu que digo que ele fala essas coisas. Tem diversos vídeos aí. Não é achismo meu e do pessoal que vota contra ele. São opiniões dele que são preconceituosas. São racistas.

SN – Como você se enxerga no futuro? Quer trabalhar com o que? Tem planejamento?

Júlia – Eu quero fazer medicina. Então, faço cursinho para entrar em uma universidade pública. Eu escolhi essa área por conta do contato humano, sabe? Com o cuidar, com o cuidar das pessoas que precisam. Eu vejo muita gente que faz medicina não só pelo gostar da profissão, mas muita gente faz pelo dinheiro. E eu acho que pessoas que fazem isso, nunca serão bons profissionais. Não faz aquilo porque gosta. No futuro, eu me enxergo mais ativa na sociedade, sem medo de julgamento, com meu dinheiro, com minha própria casa, por isso, não vou ficar ligando com o que o povo fala ou deixa de falar.

SN – Sobre seus valores. Você é católica, certo? Você acha que o casamento é importante na vida de uma mulher?

Júlia – Eu acho que casamento é importante, mas o mais importante é você ser independente, não precisar de homem. Eu penso muito assim, sabe? Não quero ser como as mulheres de antigamente, que enquanto os maridos saíam para trabalhar, a mulher ficava em casa cuidando dos filhos. Eu acho que hoje isso mudou. Ambos podem trabalhar, ambos podem limpar a casa, ambos podem cuidar dos filhos. Eu não pretendo me casar não! Agora não! Eu acho que hoje filho a gente faz sem marido, não é (risos)?!

SN – O que você consome culturalmente? Quem é seu ídolo? Que tipo de música gosta? Está maratonando alguma série? Alguém te inspira?

Júlia- Eu estou acompanhando muito Luisa Mell. Luisa Mell me inspira muito na questão dos animais e meio ambiente também. Meu ídolo é o Luan Santana (risos) e jogador de futebol é Neymar (risos). Eu gosto muito de sertanejo, as músicas de ‘Trap’ traz muito a realidade do Brasil, Poesia Acústica. Eu maratono muitas séries, mas eu me identifico muito com 13 razões ou 13 fitas. Ela explica muito o mundo atual, o machismo, o bullying sofrido nas escolas, o machismo dos meninos que jogam bola, que diz, ah, fiquei com tal menina e tal. Eu já vi muitas situações semelhantes da série na escola, do bullying, do homem se sentir superior porque ficou com tal pessoa, que comenta com os amigos, aí essa menina vai pra rodinha de amigos. Tal pessoa não pode levar suspensão porque é filha de tal pessoa… Essa série é forte, mas é necessária.

SN – Para finalizar, o que sua geração tem diferente das outras gerações?

Júlia- Eu acho minha geração mais autêntica. Eu acho que minha geração se preocupa mais com política, minha geração é mais politizada, eu vejo gente com 16 anos já com opinião formada, mas também temos mais acesso à informação, tecnologia também, né? Apesar disso, existem muitas pessoas fúteis em nossa geração, mas eu os considero numa proporção menor. Mas em relação a futilidade, eu não quero entrar no debate da classe social, mas tem gente muito “mimizento”, sabe? Mas a maioria do pessoal, os pais têm muitas condições. Então, eles acham que devem pisar em todo mundo ou que é superior a alguém por causa de classe social. Tem muito disso, ah, eu sou filho de tal pessoa, quero ver alguém falar alto comigo ou fazer alguma coisa comigo? Ficar se sentindo superior, sabe? Ah, eu tenho uma moto, e a pessoa está andando de bicicleta. Mas a bicicleta foi a pessoa que comprou, mas a moto foram os pais que deram.

 

 

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